domingo, 9 de janeiro de 2011

Apelo por Justiça


Família de classe média pede que seus direitos sejam cumpridos


“Eu só queria que Deus olhasse por nós, já que a justiça é cega. O que está claro é que somos 'meio cidadãos', pois temos deveres. Direitos até agora nenhum... A impressão que dá é que estamos mendigando para que a justiça seja feita”. Esse é um trecho de uma carta chamada “Apelo por Justiça” recebida por esse Jornal.

O que vamos mostrar é a história de uma família de classe média que se encontra em uma situação de desespero que já dura mais de 17 anos. Esse relato une o ruim ao péssimo no que diz respeito à cegueira da justiça. Um tio extremamente malicioso e um juiz completamente equivocado no processo fizeram uma família inteira perder os seus direitos como herdeiros.

As fontes que forneceram essa entrevista não quiseram se identificar. Os nomes citados são puramente fictícios.


No ano de 1993, Roberto faleceu. Por ter se separado da esposa, ele mantinha pouco contato com sua filha Sônia e com seus outros cinco filhos. Quando em vida, morava em um sítio na cidade de Igarassu, com uma mulher muito problemática e nervosa. Os filhos de Roberto não iam visitá-lo em casa para evitar problemas, preferindo encontrá-lo em uma lanchonete de um posto de gasolina próximo à localidade. Esses encontros ocorriam geralmente uma vez ao mês. “Nós nos sujeitávamos a isso, porque a saudade era maior que a humilhação”, revela a herdeira.

Nessa época, Odete, mãe de Sônia, estava muito doente. Ela precisou realizar exames para detectar a doença que tinha. Foi diagnosticada com um tumor na barriga e por isso, precisou de várias consultas com médicos especialistas além de internações em hospitais. Devido aos problemas de saúde da mãe, Sônia ficou sem contato com o pai durante três meses. Quando resolveu contar ao pai do estado debilitado da sua mãe, levou um choque ao saber que ele havia falecido. Ela então procurou onde o Roberto havia sido enterrado e teve outra surpresa ao saber que um tio paterno vindo de Fortaleza tinha levado o seu corpo, no mesmo dia do óbito, para São José do Mipibú, no interior do Rio Grande do Norte. Além disso, tomou conhecimento que um arrolamento foi feito no Fórum de Igarassu, e que todos os bens de seu pai mudaram de dono. “Nos informaram que tinha um homem que sabia como tudo foi feito. Então fomos procurá-lo. Quando o encontramos, contamos toda a nossa história de dor e sofrimento. Ele vendo como nós fomos injustiçados, resolveu nos ajudar. Contamos a ele que a gente não tinha encontrado o registro de óbito no Cartório de Igarassu, o que era muito estranho, porque ele (o pai) morava lá, e morreu em casa. Então descobrimos que o óbito de meu pai foi registrado, cinco cidades depois de Igarassu - em Recife. Eu não sei como conseguiram isso! Pois, quando uma pessoa morre em um determinado local, o óbito deve ser registrado no cartório da cidade onde a pessoa faleceu”, relatou.

Após o ocorrido, Sônia junta-mente com um dos seus irmãos, foi solicitar uma segunda via da certidão de óbito. Nela constava que o falecido era solteiro e sem filhos. Não entendendo, foi orientada a ir ao fórum de Igarassu. Ao chegar lá, pediu informações para saber como se deu o arrolamento de seu pai, uma vez que eles não estavam no processo. Um funcionário disse que a em caminharia junto com o irmão ao juiz. Assim que foram atendidos pela Excelência, mostraram a certidão de casamento do pai e os documentos que atestavam a paternidade dele. Pediram para ver o processo de Arrolamento, pois não tinham boas condições financeiras para contratar um advogado. “O Juiz nos negou alegando que só pode-ríamos ver o processo com um advogado. Uma parenta de minha mãe conseguiu um, e quando ele retirou o processo, tivemos mais uma surpresa ao ver que o arrolamento aconteceu em apenas sete dias”, diz.

Todo o processo de inventário foi feito da seguinte forma: o tio deles de Fortaleza, chegou no dia 21 de julho de 1993, e às 15h conversou com o Magistrado se declarando herdeiro único. No mesmo dia, o juiz enviou dois ofícios: um para o banco onde o falecido tinha quatro aplicações e o outro para um órgão do governo – procurando saber se o finado estava quite com a instituição.

No outro dia (22), chegaram as respostas do banco e do órgão. Tudo isso em 24h. A conclusão do Juiz foi dada no dia 23, e os alvarás para a liberação do dinheiro e do carro no dia 28. O advogado contratado por Sônia entrou com um processo alegando que o tio dela mentiu. Roberto era pai de seis filhos, frutos do casamento com Odete: tudo previsto em lei. E mesmo que essa família não existisse, Roberto ainda tinha dois irmãos vivos – que não quiseram se envolver nessa fraude.

Dois anos depois, houve novo julgamento no qual o arrolamento foi anulado. O Ministério Público configurou também falsidade ideológica. O advogado do réu apelou nesse mesmo ano (1995) para o Tribunal de Justiça. O processo passou pela Procuradoria (o procurador manteve a falsidade ideológica), até chegar aos desembargadores para julgarem. Eles mantiveram a mesma sentença de anulação, sendo unânimes na decisão. Tudo isso demorou três anos.

Nesse período, a mãe de Sônia operou-se do tumor, e nunca mais teve a saúde perfeita. Sempre tinha tonturas e em meio à uma delas, caiu e quebrou o fêmur, ficando sem andar pelo resto de sua vida. Mesmo assim, os herdeiros não desistiram de batalhar por justiça.

O processo terminou e foi publicado no Diário Oficial em 29 de abril de 1998, voltando imediata-mente à comarca de Igarassu para ser feita a execução. Logo que a ação judicial chegou ao Fórum, o advogado das vítimas no inicio de maio pediu seguimento no processo. Solicitou também que todas as citações e intimações fossem enviadas para seu endereço, porém nada mandado.

A família não tendo notícias do processo há quase um ano, mandou um dos herdeiros ao fórum para saber o que ainda precisava ser feito. Chegando lá, souberam que o responsável era outro juiz. Um funcionário do fórum habilitou o irmão de Sônia como inventariante em julho de 1999.

O então advogado das vítimas requereu ao juiz que intimasse o réu para que ele devolvesse o que era dos herdeiros e respondesse pelo crime que cometeu. E as vítimas voltaram a esperar pacientemente pela justiça. Em dezembro desse mesmo ano, algo muito triste aconteceu. A mãe dos herdeiros sofre uma fratura espontânea devido à osteoporose, que estava muito avançada, por falta de condições de tratamento específicas. Ela foi internada para fazer a operação da fratura e o pior aconteceu. Odete contraiu uma infecção hospitalar, afetando assim seus pulmões. Ela lutou contra essa bactéria durante cinco meses. Mas, infelizmente, foi vencida. Em 30 de abril de 2000, faleceu. Morreu na mais absoluta miséria, sem que os filhos pudessem dar-lhe um pouco de conforto.

Um mês após a morte da mãe, Sônia e seus irmãos foram ao Fórum de Igarassu, pois já faziam quase um ano que não tinham nenhuma notícia da resolução da justiça sobre o requerimento do advogado. Ao falar com o advogado, ele friamente diz que a causa não o interessava mais, e concluiu dizendo que iria passar o processo para o defensor publico de Igarassu. Ele entregou a renúncia em 28 de agosto de 2000, - sem nada ter resolvido - ou seja, o processo ficou paralisado por mais um ano, mesmo com os herdeiros indo cobrar toda semana. Em 23 de novembro do corrente ano, o Juiz fez um despacho por carta precatória para o Fórum de Fortaleza intimando o réu para vir a Pernambuco prestar contas do que ele roubou. Foi dado um prazo de cinco dias a contar da data que ele foi citado em Fortaleza. A intimação voltou em 5 de fevereiro de 2001 e as vítimas esperaram os cinco dias do vencimento. Porém, o Fórum de Igarassu deu ciência do vencimento do prazo. No mês seguinte, após muita insistência de Sônia, o chefe de secretaria resolveu acabar com o prazo da intimação. “Meu tio é muito poderoso, não veio e nem deu satisfação. O prazo que ele tinha, venceu e nada foi feito. Ficou por isso mesmo. A intimação não serviu para nada”, reclama Sônia.

Em abril, o Defensor Público pediu ao juiz, o bloqueio dos bens e das contas bancárias do réu. Dez meses depois do pedido, o magistrado deu um despacho, mas não era o bloqueio dos bens. Ele pediu a quebra do sigilo fiscal e bancário do tio de Sônia e concedeu um prazo de dez dias e intimou a sua presença. Isso aconteceu em 7 de fevereiro de 2002. O processo continuou parado, houve a quebra do sigilo bancário, porém o tio de Sônia não compareceu e nada aconteceu. Os herdeiros começaram a se revoltar. Desistiram da Defensoria Pública e resolveram procurar uma nova advogada, que por sinal, animou-se ao saber da história e concordou em ajudar. No entanto, dois meses depois ela desistiu do caso sem dar nenhuma satisfação.

Em Janeiro de 2003, os herdeiros foram orientados por pessoas amigas a procurar ajuda na Corregedoria Geral de Justiça, afinal, os pedidos dos advogados foram feitos, mas nenhum foi acatado. Sônia foi recebida pelo Corregedor Geral a pedido de um Juiz Desembargador. Ela fez um requerimento relatando sua história e o entregou. Pediu para que a justiça fosse feita e que os culpados fossem realmente punidos, afinal, seu tio não errou sozinho. “O Juiz que fez o inventário de meu pai, além de ter feito em sete dias, nos privou de ver o processo sem um advogado. Hoje sei que o processo é público e que eu não precisava de um advogado para ver o que constava nos autos”, relatou.

A resposta de toda a investigação chegou um ano depois. Todavia sem a conclusão das atrocidades cometidas e só confirmou o que a família já sabia: houve mesmo um processo irregular. “Quando meu tio veio para abrir o inventário com o Juiz, chegou acompanhado de uma mulher que o Chefe de Secretaria considerou se tratar de uma advogada (pelo simples fato de o Juiz dar na mesma hora os dois primeiros despachos). Mas, durante a investigação foi descoberto que essa mulher nunca foi advogada. Só foi privilegiada em adiantar o processo. Não sei como isso pôde acontecer? Acho que isso só acontece quando se é rico,” contou Sônia. O Chefe de Secretaria relatou ao Corregedor que não podia perguntar nada ao Juiz por causa do seu baixo nível hierárquico.

Em fevereiro de 2005, chegou uma intimação para Sônia procurar um advogado. “As intimações que chegam à minha casa é só para contratarmos um advogado. Os que eram contratados assumiam e renunciavam devido às petições que faziam e não eram atendidos por parte do Fórum de Igarassu. Como exemplo: chamar meu tio para que prestasse contas. Ele nunca veio e nada aconteceu. O mesmo com os bloqueios dos bens dele que até hoje nada foi feito”, lamenta Sônia.

Segundo a herdeira, em uma das vezes que ligou para o tio, com o intuito de que ele colocasse a mão na consciência, ele afirmou que estava tranquilo pelo fato do seu advogado ser muito poderoso em Pernambuco. “Nós esperamos assim a mudança do Governo do Estado para que alguma coisa fosse feita. Não contratamos nenhum advogado, ficamos esperando que o Fórum desse seguimento nas petições que lá existiam”, disse.

No início de setembro de 2009, os herdeiros ao saberem da mudança de Magistrado, decidiram ir ao Fórum para tentar falar com a nova Juíza e levaram consigo o 'Apelo por Justiça'. A Excelência os atendeu. Disse que não precisava ler o Apelo, mas que iria levar o processo para estudá-lo e que dentro de 15 dias daria o seu parecer - e assim o fez. No dia 22 de setembro, no parecer constava que o processo se encontrava paralisado há mais de cinco anos por culpa dos herdeiros e pediu que eles num prazo de 20 dias constituíssem um advogado e que apresentassem as primeiras declarações de bens e herdeiros. “Nós no dia 2 de outubro, dez dias após o despacho, demos entrada no fórum de acordo com o que foi pedido. Passamos novamente a esperar, mesmo indo toda semana na comarca”, relatou Sônia.

Para tristeza das vítimas, foi publicado no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que o prazo dado pela juíza para que os herdeiros constituíssem um novo advogado e dessem as primeiras declarações de bens havia vencido. “Como o prazo poderia vencer se nós demos entrada nos autos dez dias após o pedido?”, indagou. As vítimas resolveram voltar ao Fórum para saber o motivo dessa publicação no site, uma vez que já fazia sete meses que as declarações exigidas estavam no processo. “Logo quando chegamos lá, uma funcionária disse que já haviam colocado nas folhas que nós tínhamos entregado tudo no prazo”, falou Sônia.

Em setembro de 2010, a advogada das vítimas solicitou mais uma vez no processo que o tio dos herdeiros prestasse contas para pagar tudo o que eles têm direito. Uma semana depois, a juíza acatou o pedido da advogada de Sônia. A Secretaria do Fórum só publicou o despacho no Diário Oficial 26 dias depois, no dia 18 de outubro. A intimação para o advogado do réu só foi enviada no dia 30 de novembro. Nela consta que o tio das vítimas tem um prazo de 15 dias para efetuar o pagamento ou oferecer impugnação. “Agora eu pergunto: por que meu tio não foi preso? Nós sabemos que ele cometeu estelionato, mentiu em juízo e nada aconteceu com ele. E nem vai acontecer! O prazo do crime já deve ter prescrito. Peço todos os dias a Deus para que as autoridades competentes, que são bons pais, ou bons filhos, ou boas esposas e mães, que olhem para o nosso sofrimento. O meu pai foi enterrado em outro Estado e até agora não tivemos o direito de ir ao túmulo dele chorar a saudade. A sua certidão de óbito ainda não foi modificada, lá consta que ele não tem filhos. Só peço que nos ajudem a fazer justiça. Por algum motivo ainda acreditamos nela. Também pergunto para que serviu uma Corte de Desembargadores julgarem, e serem unânimes no que diz respeito ao nosso direito, e até agora nada foi executado. Quero saber de quem é a culpa da minha mãe ter morrido na miséria, sem ter tido um tratamento médico digno. Uma vez que ela morreu em 2000, sete anos depois de terem feito o inventário que durou apenas sete dias. O mais triste é que o dinheiro que papai tinha, foi fruto do dinheiro de terrenos da minha mãe”, lamentou Sônia.


O juiz que fez o inventário fraudulento em 1993 não teve nenhuma punição quanto à sua conduta. “É uma pena! Afinal para nos roubar precisou apenas de sete dias. Estamos a 17 anos contratando novos advogados que fazem as petições e renunciam pelo fato de não serem atendidos. E continuamos a esperar”, completou Sônia no seu desabafo.


Até o fechamento desta edição não houve nenhuma novidade no processo.

Se você sabe alguma forma de ajudar essas pessoas com sugestões ou se quiser saber mais detalhes da história, envie um e-mail para:

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